A ideia de um mundo digital com foco no consumidor é um caminho sem volta e esse movimento
já está gerando um contínuo processo de disrupção no mercado de marketing digital. Este
movimento é comparável ao que aconteceu em outros segmentos, como por exemplo, no
mercado de música com a chegada do Spotify. Os Cookies, ou dados de terceiros, são os
principais responsáveis pela assertividade nos níveis que temos hoje e, sem eles, voltaríamos a
níveis comparados ao início do século. Mas o que nos espera? Como vai ser daqui para frente?
Como todo o mercado já está sabendo, o Google postergou a depreciação dos cookies de
terceiros. Muitas dúvidas surgiram do porquê desse adiamento e o que deve ser feito a respeito.
Vamos começar com um pouco do histórico por trás do mercado de marketing digital. O termo
foi utilizado pela primeira vez na década de 1990, e desde então vem evoluindo com tecnologias
que visam monetizar a atenção dos internautas. O mercado é originalmente composto por
anunciantes, publishers e consumidores. As AdTechs, que também começaram a surgir na
década de 1990, vieram para fazer o link tecnológico entre estes três públicos.
Durante quase as três décadas seguintes, a atenção das AdTechs esteve focada em anunciantes,
- que são os donos das verbas publicitárias; e nos publishers, que possuem os veículos de
divulgação. O consumidor, que no final é quem “paga a conta” com o seu tempo e investindo
seu dinheiro nos produtos dos anunciantes, ficaram esquecidos.
Já nos últimos anos, o mercado começou a apontar para uma mudança neste cenário,
entendendo que seria fundamental dar um pouco mais de foco para o consumidor. Nesta linha,
Apple, Firefox e Facebook foram pioneiros em levantar bandeiras de privacidade, muito em linha
com os surgimentos de leis de proteção de dados e transparência. O Google chegou depois e se
uniu, claramente, neste movimento, com o intuito de cultivar a empatia, aproximar e fidelizar
seus usuários, que são os principais ativos dessas empresas, gerando benefícios comerciais, de
imagem, além da proteção do seu ecossistema “Walled Garden”.
Para engrossar o coro da privacidade, Google anunciou o fim dos cookies de terceiro no seu
browser, que hoje é utilizado por 80% dos internautas. É aí que começa o impasse. Sabemos da
existência de duas grandes divisões dentro da empresa. A primeira, e que está liderando o
movimento de fim dos cookies, é o time que desenvolve o navegador Chrome, - ativo muito
valioso para a empresa, pois garante a coleta praticamente ilimitadas de informações dos
usuários da plataforma, mas, por outro lado, apresenta baixa receita e é considerado como um
investimento do grupo. Do outro lado, existe o time do Google Ads, que corresponde a
aproximadamente 80% da receita do gigante Google. Estas plataformas do Google Ads foram
desenvolvidas com as tecnologias já estabelecidas na época, o que inclui cookies de terceiros. O
Google utiliza cookies de terceiros para realizar várias funções, tais como geração de audiência,
mensuração de efetividade de campanhas, Analytics, entre outras. Se você entrar em seu
navegador e inspecionar os cookies existentes, irá notar uma grande quantidade de cookies do
Google.
Considerando que o fim dos cookies de terceiros colocaria em risco o funcionamento das
plataformas do Google que correspondem a aproximadamente 80% da sua receita, é mais fácil
entender esta postergação. Adicionalmente, a iniciativa do Privacy Sanbox, liderada pelo
Google, não conseguiu gerar soluções comprovadamente relevantes para a substituição dos
cookies de terceiro. Com isso, nem o Google, nem todo o mercado de Ad Techs estariam prontos
para uma transição.
O direito à privacidade é inegociável. Mas, mais do que privacidade, acredito que o consumidor
precise de soluções que deem visibilidade sobre a utilização de seus dados dentro do mundo
digital. No meu ponto de vista, o marketing digital do futuro será focado em assertividade,
visibilidade e parcerias de dados. Soluções de transparência e que também ajudem a melhorar
a assertividade do marketing digital serão bem-vistas pelos consumidores. Uma recente
pesquisa realizada pelo grupo dentsu demonstrou que mais de 87% das pessoas preferem
receber anúncios relevantes a seus interesses.
Respondendo à pergunta do início, esperamos e trabalhamos por soluções de
compartilhamento de dados entre parceiros, sempre com consentimento e transparência com
o consumidor. Cada vez mais se faz fundamental a geração de um ecossistema competitivo e
menos dependente apenas dos grandes players Google e Facebook.
*Tiago Vargas é CEO da Navegg, plataforma conectada ao grupo dentsu Brasil